7 de agosto de 2011

Felicidade

Trecho de entrevista com Eduardo Giannetti, publicada na revista Página 22 de março de 2011.

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A felicidade desmente a tese capitalista do crescimento econômico contínuo? O crescimento não é um fim, é um meio para a realização e para o bem-estar humano. Mas é um meio que se esgota. A partir de um determinado nível de renda, que não é lá tão alto, não há evidência de que mais renda se traduza em vidas mais plenas, felizes e dignas de serem vividas.

Esse seria um parâmetro que deveria orientar o desenvolvimento, enquanto se rediscute esse conceito para além do desempenho econômico? Nós sabemos hoje que o progresso econômico não redunda em níveis crescentes de felicidade e nós sabemos que o progresso econômico ameaça o equilíbrio ecológico do planeta. Estas são as duas grandes realidades do século XXI. E nós precisamos entender quais são os caminhos alternativos que podem emergir a partir desses limites. Que outros valores podem, daqui para a frente, orientar as vidas humanas.

E quanto a outros valores, como justiça, liberdade, democracia? Ao usar a felicidade como valor norteador não se corre o risco de encobrir dilemas, dores e sofrimentos que são necessários ao aperfeiçoamento humano e da sociedade? Nada é tudo. Nem a felicidade é tudo. E não é o único parâmetro da espécie humana. Depende muito de como você concebe a felicidade. Uma coisa é estar feliz. É um estado de ânimo. Outra coisa é o ser feliz: o que eu fiz da minha vida, e até que ponto a vida que tenho é satisfatória ou é algo em que eu me reconheça. O que interessa mais para a perspectiva filosófica é a dimensão existencial e ética do ser feliz. E, nessa dimensão, a maximização da felicidade local nem sempre é o melhor caminho. Uma vida plena contempla uma dose razoável de frustração, descontentamento, infelicidade. Porque é uma vida criativa que busca ser alguma coisa que não é.

Eu posso conceber uma vida que tenha momentos alucinadamente felizes e, no entanto, no arco de uma trajetória, não seja bem vivida. A relação entre o ser e o estar feliz não é trivial. Os jovens, de um modo geral, pensam a felicidade na dimensão do estar feliz. O que a maturidade traz, quando ela vem, é uma perspectiva de que a melhor vida não é uma que olha só para o que eu posso fazer agora em termos de prazer. E aceita que, muitas vezes, para você conseguir alguma coisa que faça sentido no tempo, é preciso abrir mão de outras que fazem sentido localmente. Esse é um passo difícil para o ser humano, especialmente na juventude, quando tudo clama pelo momento.

Já que estamos falando de limites e frustrações… a sustentabilidade tem muito disso. Na sua veia mais ambientalista, tem impregnada a defesa do comedimento, da privação do consumo considerado frívolo, uma preocupação constante com o futuro. Esse discurso coaduna com felicidade? Sem dúvida. Nós estamos falando de duas dimensões que têm uma estrutura comum. Na vida pessoal, a ideia de que a melhor vida requer uma boa dose de abnegação e de sacrifícios, em nome de objetivos futuros, e também de aposta, porque não temos nenhuma certeza de que esses objetivos serão alcançados. E, na dimensão coletiva, aceitar que a frustração e o descontentamento são os grandes motores da mudança. E que consumir todos os recursos do planeta a curto prazo para maximizar um hedonismo certamente comprometerá as gerações futuras e a própria viabilidade biológica da espécie.

Então não há uma incoerência entre sustentabilidade e felicidade quando se concebe essa dimensão do sacrifício? Depende como você concebe a felicidade. A pergunta que nós precisamos nos fazer é: consumo, renda, progresso econômico indefinidamente dão sentido ao esforço coletivo da humanidade? Ou será que nós já chegamos ao momento em que podemos colocar o econômico no segundo plano e buscar outro tipo de realização, mais ligada a valores da criação, da existência, dos relacionamentos, da harmonia com a natureza, da estética, da busca do conhecimento?

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A íntegra da entrevista pode ser lida aqui.

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