25 de dezembro de 2011

UM FELIZ NATAL PARA TODOS !

São os votos da equipe do Blog "ALÔ BAIRRO DEMÉTRIA!" a todos que nos acompanham.

Biscoitos feitos por Kasia 

24 de dezembro de 2011

Último dia de Advento, 2011

"Aja o som em cada pranto, haja o rito...
aja o dom em cada santo, haja o mito...
e o espanto, portanto;
haja o dito... aja o bom em cada quanto,
haja o grito... aja o tom em cada canto".
Davi Araújo (do Livro Ruído ) 

23 de dezembro de 2011

27º dia do Advento

E finalmente o Senhor fala a Adão e a Lúcifer:

- Teu braço é forte e o coração é nobre.
O espaço que te chama a trabalhar
é imenso. E, se prestares atenção,
haverá sempre uma voz a avisar-te
para que te contenhas ou avances:
é só segui-la! E se no torvelinho
da vida silenciar a voz celeste,
a alma mais pura, dessa mulher frágil,
acima das sujeiras do interesse,
há de ouvi-la e, através do coração,
filtrá-la sempre em poesia e canto.
Com esses dons ela estará a teu lado,
nas horas boas e nas horas más,
como um anjo consolador e alegre.
E tu, Lúcifer, que em meu Universo
és um anel a mais, vai sempre agindo:
tua gelada sapiência e tua
negação tola hão de ser o fermento
que fará renascer o entusiasmo,
tentando o homem, em certos momentos,
sem mais importância: ele voltará!
Teu castigo, porém, será eterno,
pois hás de ver as tuas más sementes
transformando-se indefinidamente
em germinações do que é bom e nobre.

Trecho do final do longo e emocionante poema "A tragédia do Homem" de IMRE MADACH. Vale a pena ler.

21 de dezembro de 2011

25º dia de Advento: O Semeador de Estrelas

"Honrarei o Natal em meu coração e tentarei conservá-lo durante todo o ano."


Charles Dickens



Clique para ampliar
Grafitti de estrelas feito em em Kaunas, Lituânia.

20 de dezembro de 2011

24º dia do Advento: Marana tha

Fica aqui nossa homenagem e carinho ao nosso tão querido Fábio Cortés que fez hoje sua passagem para o mundo espiritual.

Esse é o mantra do Advento: Marana tha (originalmente em Aramaico) que evoca: -Vem Senhor, não com a morte, mas com a vida!

19 de dezembro de 2011

23º dia do Advento

“Só quando conseguirmos atuar juntos com amor nas grandes tarefas entenderemos o Natal.”


R Steiner
Vladimir Kush



R.Steiner

OFICINA ARTESANAL DE BAMBU - TRABAMBU

09 a 14 de janeiro de 2012
Condomínio Alvorada - Bairro Demétria - Botucatu - SP 



Programação:
Reconhecimento e uso da ferramentaria. Identificação das espécies. Temperamento de fibras. Temperamento de fibras à base de água. Aula de campo (cultivo, colheita, tratamento). Confecção de tabiques. Abertura de junco. Desenho da peça a ser confeccionada. Corte para montagem. Ponteamento e encaixes básicos. Encurvamento e desempeno de varas. Aplicações das técnicas orientais. Montagem. Amarrações básicas. Acabamento das peças. Aplicações de ceras e vernizes. Conservação das peças.
Instrutores:
Sebastião Moreira
- artesão e construtor de instrumentos musicias, foi instrutor do curso "Civilização do Bambu", um projeto da ONG Bambuzeria Cruzeiro do Sul que levou a tecnologia da fabricação de móveis e objetos para várias cidades do país. Há quatro anos é instrutor da oficina de Bambu no Bairro Demétria.
Carlos Alan Lira Cunha - artesão,ministrou oficinas para o Artesanato Solidário , é formado em Terapia Social e formando em arte educação.
Investimento:                                                                                                                      
Até 05 de janeiro - R$ 380,00
Após 05 de janeiro- R$ 400,00
Informações no site www.trabambu.com  e pelo e-mail contato@trabambu.com.br

18 de dezembro de 2011

CANCELADO POR LUTO! 3ª Feira, dia 20, teremos a apresentação de Morte e Vida Severina aqui no Bairro Demétria!

Clique na imagem para ampliar!

22º dia do Advento: Morte e Vida Severina





O CARPINA FALA COM O RETIRANTE QUE ESTEVE DE FORA, SEM TOMAR PARTE EM NADA

— Severino retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga;
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina;
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.


17 de dezembro de 2011

21º dia do Advento: Morte e Vida, Severina

Portinari: Menino

FALAM OS VIZINHOS, AMIGOS, PESSOAS QUE VIERAM COM PRESENTES ETC.

— De sua formosura
já venho dizer:
é um menino magro,
de muito peso não é,
mas tem o peso de homem,
de obra de ventre de mulher.


— De sua formosura
deixai-me que diga:
é uma criança pálida,
é uma criança franzina,
mas tem a marca de homem,
marca de humana oficina.


— Sua formosura
deixai-me que cante:
é um menino guenzo
como todos os desses mangues,
mas a máquina de homem
já bate nele, incessante.


— Sua formosura
eis aqui descrita:
é uma criança pequena,
enclenque e setemesinha,
mas as mãos que criam coisas
nas suas já se adivinha.

— De sua formosura
deixai-me que diga:
é belo como o coqueiro
que vence a areia marinha.


— De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como o avelós
contra o Agreste de cinza.


— De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como a palmatória
na caatinga sem saliva.


— De sua formosura
deixai-me que diga:
é tão belo como um sim
numa sala negativa.

— É tão belo como a soca
que o canavial multiplica.


— Belo porque é uma porta

abrindo-se em mais saídas.

— Belo como a última onda
que o fim do mar sempre adia.


— É tão belo como as ondas
em sua adição infinita.

— Belo porque tem do novo
a surpresa e a alegria.


— Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.


— Como qualquer coisa nova
inaugurando o seu dia.


— Ou como o caderno novo
quando a gente o principia.

— E belo porque com o novo
todo o velho contagia.


— Belo porque corrompe
com sangue novo a anemia.


— Infecciona a miséria
com vida nova e sadia.


— Com oásis, o deserto,
com ventos, a calmaria.

16 de dezembro de 2011

20º dia do Advento:Morte e Vida, Severina

Escultura de José Bezerra


FALAM AS DUAS CIGANAS QUE HAVIAM APARECIDO COM OS VIZINHOS

— Atenção peço, senhores,
para esta breve leitura:
somos ciganas do Egito,
lemos a sorte futura.
Vou dizer todas as coisas
que desde já posso ver
na vida desse menino
acabado de nascer:
aprenderá a engatinhar
por aí, com aratus,
aprenderá a caminhar
na lama, como goiamuns,
e a correr o ensinarão
o anfíbios caranguejos,
pelo que será anfíbio
como a gente daqui mesmo.
Cedo aprenderá a caçar:
primeiro, com as galinhas,
que é catando pelo chão
tudo o que cheira a comida;
depois, aprenderá com
outras espécies de bichos:
com os porcos nos monturos,
com os cachorros no lixo.
Vejo-o, uns anos mais tarde,
na ilha do Maruim,
vestido negro de lama,
voltar de pescar siris;
e vejo-o, ainda maior,
pelo imenso lamarão
fazendo dos dedos iscas
para pescar camarão.


— Atenção peço, senhores,
também para minha leitura:
também venho dos Egitos,
vou completar a figura.
Outras coisas que estou vendo
é necessário que eu diga:
não ficará a pescar
de jereré toda a vida.
Minha amiga se esqueceu
de dizer todas as linhas;
não pensem que a vida dele
há de ser sempre daninha.
Enxergo daqui a planura
que é a vida do homem de ofício,
bem mais sadia que os mangues,
tenha embora precipícios.
Não o vejo dentro dos mangues,
vejo-o dentro de uma fábrica:
se está negro não é lama,
é graxa de sua máquina,
coisa mais limpa que a lama
do pescador de maré
que vemos aqui, vestido
de lama da cara ao pé.
E mais: para que não pensem
que em sua vida tudo é triste,
vejo coisa que o trabalho
talvez até lhe conquiste:
que é mudar-se destes mangues
daqui do Capibaribe
para um mocambo melhor
nos mangues do Beberibe.



15 de dezembro de 2011

Trabalhos de artes/manuais dos alunos da Escola Aitiara !

Panorâmica feita no Bazar 2011 dos trabalhos dos alunos da Escola Aitiara (fotos de Anna Carolina M.Queiroz):

19º dia do Advento: Morte e Vida, Severina



Foto de Jeffcelophane


COMEÇAM A CHEGAR PESSOAS TRAZENDO PRESENTES PARA O RECÉM-NASCIDO

— Minha pobreza tal é
que não trago presente grande:
trago para a mãe caranguejos
pescados por esses mangues;
mamando leite de lama
conservará nosso sangue.


— Minha pobreza tal é
que coisa não posso ofertar:
somente o leite que tenho
para meu filho amamentar;
aqui são todos irmãos,
de leite, de lama, de ar.


— Minha pobreza tal é
que não tenho presente melhor:
trago papel de jornal
para lhe servir de cobertor;
cobrindo-se assim de letras
vai um dia ser doutor.


— Minha pobreza tal é
que não tenho presente caro:
como não posso trazer
um olho d'água de Lagoa do Carro,
trago aqui água de Olinda,
água da bica do Rosário.

 — Minha pobreza tal é
que grande coisa não trago:
trago este canário da terra
que canta corrido e de estalo.


— Minha pobreza tal é
que minha oferta não é rica:
trago daquela bolacha d'água
que só em Paudalho se fabrica.


— Minha pobreza tal é
que melhor presente não tem:
dou este boneco de barro
de Severino de Tracunhaém.


— Minha pobreza tal é
que pouco tenho o que dar:
dou da pitu que o pintor Monteiro
fabricava em Gravatá.

— Trago abacaxi de Goiana
e de todo o Estado rolete de cana.


— Eis ostras chegadas agora,
apanhadas no cais da Aurora.


— Eis tamarindos da Jaqueira
e jaca da Tamarineira.


— Mangabas do Cajueiro
e cajus da Mangabeira.


— Peixe pescado no Passarinho,
carne de boi dos Peixinhos.


— Siris apanhados no lamaçal
que há no avesso da rua Imperial.


— Mangas compradas nos quintais ricos
do Espinheiro e dos Aflitos.


— Goiamuns dados pela gente pobre
da Avenida Sul e da Avenida Norte.



14 de dezembro de 2011

Brega, eu?



Encontrei no blog de uma amiga e não resisti...
;)

18º dia de Advento: Morte e Vida, Severina


Escultura Nili Kook
 APARECEM E SE APROXIMAM DA CASA DO HOMEM VIZINHOS, AMIGOS, DUAS CIGANAS ETC.

— Todo o céu e a terra
lhe cantam louvor.
Foi por ele que a maré
esta noite não baixou.
— Foi por ele que a maré
fez parar o seu motor:
a lama ficou coberta
e o mau-cheiro não voou.
— E a alfazema do sargaço,
ácida, desinfetante,
veio varrer nossas ruas
enviada do mar distante.
— E a língua seca de esponja
que tem o vento terral
veio enxugar a umidade
do encharcado lamaçal.

— Todo o céu e a terra
lhe cantam louvor
e cada casa se torna
num mocambo sedutor.
— Cada casebre se torna
no mocambo modelar
que tanto celebram os
sociólogos do lugar.
— E a banda de maruins
que toda noite se ouvia
por causa dele, esta noite,
creio que não irradia.
— E este rio de água cega,
ou baça, de comer terra,
que jamais espelha o céu,
hoje enfeitou-se de estrelas.

13 de dezembro de 2011

17º dia de Advento: Morte e Vida, Severina

UMA MULHER, DA PORTA DE ONDE SAIU O HOMEM, ANUNCIA-LHE O QUE SE VERÁ

— Compadre José, compadre,
que na relva estais deitado:
conversais e não sabeis
que vosso filho é chegado?
Estais aí conversando
em vossa prosa entretida:
não sabeis que vosso filho
saltou para dentro da vida?
Saltou para dento da vida
ao dar o primeiro grito;
e estais aí conversando;
pois sabei que ele é nascido.

12 de dezembro de 2011

16º dia de Advento: Morte e Vida, Severina

Foto reprodução


APROXIMA-SE DO RETIRANTE O MORADOR DE UM DOS MOCAMBOS QUE EXISTEM ENTRE O CAIS E A ÁGUA DO RIO

— Seu José, mestre carpina,
que habita este lamaçal,
sabes me dizer se o rio
a esta altura dá vau?
sabe me dizer se é funda
esta água grossa e carnal?


— Severino, retirante,
jamais o cruzei a nado;
quando a maré está cheia
vejo passar muitos barcos,
barcaças, alvarengas,
muitas de grande calado.


— Seu José, mestre carpina,
para cobrir corpo de homem
não é preciso muito água:
basta que chega ao abdome,
basta que tenha fundura
igual à de sua fome.


— Severino, retirante,
pois não sei o que lhe conte;
sempre que cruzo este rio
costumo tomar a ponte;
quanto ao vazio do estômago,
se cruza quando se come.


— Seu José, mestre carpina,
e quando ponte não há?
quando os vazios da fome
não se tem com que cruzar?
quando esses rios sem água
são grandes braços de mar?


— Severino, retirante,
o meu amigo é bem moço;
sei que a miséria é mar largo,
não é como qualquer poço:
mas sei que para cruzá-la
vale bem qualquer esforço.


— Seu José, mestre carpina,
e quando é fundo o perau?
quando a força que morreu
nem tem onde se enterrar,
por que ao puxão das águas
não é melhor se entregar?


— Severino, retirante,
o mar de nossa conversa
precisa ser combatido,
sempre, de qualquer maneira,
porque senão ele alaga
e devasta a terra inteira.


— Seu José, mestre carpina,
e em que nos faz diferença
que como frieira se alastre,
ou como rio na cheia,
se acabamos naufragados
num braço do mar miséria?


— Severino, retirante,
muita diferença faz
entre lutar com as mãos
e abandoná-las para trás,
porque ao menos esse mar
não pode adiantar-se mais.


— Seu José, mestre carpina,
e que diferença faz
que esse oceano vazio
cresça ou não seus cabedais,
se nenhuma ponte mesmo
é de vencê-lo capaz?


— Seu José, mestre carpina,
que lhe pergunte permita:
há muito no lamaçal
apodrece a sua vida?

e a vida que tem vivido
foi sempre comprada à vista?


— Severino, retirante,
sou de Nazaré da Mata,
mas tanto lá como aqui
jamais me fiaram nada:
a vida de cada dia
cada dia hei de comprá-la.


— Seu José, mestre carpina,
e que interesse, me diga,
há nessa vida a retalho
que é cada dia adquirida?
espera poder um dia
comprá-la em grandes partidas?


— Severino, retirante,
não sei bem o que lhe diga:
não é que espere comprar
em grosso tais partidas,
mas o que compro a retalho
é, de qualquer forma, vida.


— Seu José, mestre carpina,
que diferença faria
se em vez de continuar
tomasse a melhor saída:
a de saltar, numa noite,
fora da ponte e da vida?

11 de dezembro de 2011

15º dia de Advento: Morte e Vida, Severina

Cais do Capibaribe-Postal antigo
O RETIRANTE APROXIMA-SE DE UM DOS CAIS DO CAPIBARIBE

— Nunca esperei muita coisa,
é preciso que eu repita.
Sabia que no rosário
de cidade e de vilas,
e mesmo aqui no Recife
ao acabar minha descida,
não seria diferente
a vida de cada dia:
que sempre pás e enxadas
foices de corte e capina,
ferros de cova, estrovengas
o meu braço esperariam.
Mas que se este não mudasse
seu uso de toda vida,
esperei, devo dizer,
que ao menos aumentaria
na quartinha, a água pouca,
dentro da cuia, a farinha,
o algodãozinho da camisa,
ao meu aluguel com a vida.
E chegando, aprendo que,
nessa viagem que eu fazia,
sem saber desde o Sertão,
meu próprio enterro eu seguia.
Só que devo ter chegado
adiantado de uns dias;
o enterro espera na porta:
o morto ainda está com vida.
A solução é apressar
a morte a que se decida
e pedir a este rio,
que vem também lá de cima,
que me faça aquele enterro
que o coveiro descrevia:
caixão macio de lama,
mortalha macia e líquida,
coroas de baronesa
junto com flores de aninga,
e aquele acompanhamento
de água que sempre desfila
(que o rio, aqui no Recife,
não seca, vai toda a vida).

10 de dezembro de 2011

14º dia de advento: Morte e Vida, Severina

Quadro de Descartes Gadelha (Guerra  diariamente)

CHEGANDO AO RECIFE, O RETIRANTE SENTA-SE PARA DESCANSAR AO PÉ DE UM MURO ALTO E CAIADO E OUVE, SEM SER NOTADO, A CONVERSA DE DOIS COVEIROS

— O dia de hoje está difícil;
não sei onde vamos parar.
Deviam dar um aumento,
ao menos aos deste setor de cá.
As avenidas do centro são melhores,
mas são para os protegidos:
há sempre menos trabalho
e gorjetas pelo serviço;
e é mais numeroso o pessoal
(toma mais tempo enterrar os ricos).


— Pois eu me daria por contente
se me mandassem para cá.
Se trabalhasses no de Casa Amarela
não estarias a reclamar.
De trabalhar no de Santo Amaro
deve alegrar-se o colega
porque parece que a gente
que se enterra no de Casa Amarela
está decidida a mudar-se
toda para debaixo da terra.

— É que o colega ainda não viu
o movimento: não é o que se vê.
Fique-se por aí um momento
e não tardarão a aparecer
os defuntos que ainda hoje
vão chegar (ou partir, não sei).
As avenidas do centro,
onde se enterram os ricos,
são como o porto do mar:
não é muito ali o serviço:
no máximo um transatlântico
chega ali cada dia,
com muita pompa, protocolo,
e ainda mais cenografia.
Mas este setor de cá
é como a estação dos trens:
diversas vezes por dia
chega o comboio de alguém.

— Mas se teu setor é comparado
à estação central dos trens,
o que dizer de Casa Amarela
onde não pára o vaivém?
Pode ser uma estação
mas não estação de trem:
será parada de ônibus,
com filas de mais de cem.

— Então por que não pedes,
já que és de carreira, e antigo,
que te mandem para Santo Amaro
se achas mais leve o serviço?
Não creio que te mandassem
para as belas avenidas
onde estão os endereços
e o bairro da gente fina:
isto é, para o bairro dos usineiros,
dos políticos, dos banqueiros,
e no tempo antigo, dos banguezeiros
(hoje estes se enterram em carneiros);
bairro também dos industriais,
dos membros das associações patronais
e dos que foram mais horizontais
nas profissões liberais.
Difícil é que consigas
aquele bairro, logo de saída.

— Só pedi que me mandassem
para as urbanizações discretas,
com seus quarteirões apertados,
com suas cômodas de pedra.

— Esse é o bairro dos funcionários,
inclusive extranumerários,
contratados e mensalistas
(menos os tarefeiros e diaristas).
Para lá vão os jornalistas,
os escritores, os artistas;
ali vão também os bancários,
as altas patentes dos comerciários,
os lojistas, os boticários,
os localizados aeroviários
e os de profissões liberais
que não se liberaram jamais.

— Também um bairro dessa gente
temos no de Casa Amarela:
cada um em seu escaninho,
cada um em sua gaveta,
com o nome aberto na lousa
quase sempre em letras pretas.
Raras as letras douradas,
raras também as gorjetas.

— Gorjetas aqui, também,
só dá mesmo a gente rica,
em cujo bairro não se pode
trabalhar em mangas de camisa;
onde se exige quépi
e farda engomada e limpa.

— Mas não foi pelas gorjetas,
não, que vim pedir remoção:
é porque tem menos trabalho
que quero vir para Santo Amaro;
aqui ao menos há mais gente
para atender a freguesia,
para botar a caixa cheia
dentro da caixa vazia.

— E que disse o Administrador,
se é que te deu ouvido?

— Que quando apareça a ocasião
atenderá meu pedido.

— E do senhor Administrador
isso foi tudo que arrancaste?

— No de Casa Amarela me deixou
mas me mudou de arrabalde.

— E onde vais trabalhar agora,
qual o subúrbio que te cabe?

— Passo para o dos industriários,
que é também o dos ferroviários,
de todos os rodoviários
e praças-de-pré dos comerciários.

— Passas para o dos operários,
deixas o dos pobres vários;
melhor: não são tão contagiosos
e são muito menos numerosos.

— É, deixo o subúrbio dos indigentes
onde se enterra toda essa gente
que o rio afoga na preamar
e sufoca na baixa-mar.

— É a gente sem instituto,
gente de braços devolutos;
são os que jamais usam luto
e se enterram sem salvo-conduto.

— É a gente dos enterros gratuitos
e dos defuntos ininterruptos.
— É a gente retirante
que vem do Sertão de longe.

— Desenrolam todo o barbante
e chegam aqui na jante.

— E que então, ao chegar,
não têm mais o que esperar.

— Não podem continuar
pois têm pela frente o mar.

— Não têm onde trabalhar
e muito menos onde morar.

— E da maneira em que está
não vão ter onde se enterrar.

— Eu também, antigamente,
fui do subúrbio dos indigentes,
e uma coisa notei
que jamais entenderei:
essa gente do Sertão
que desce para o litoral, sem razão,
fica vivendo no meio da lama,
comendo os siris que apanha;
pois bem: quando sua morte chega,
temos que enterrá-los em terra seca.

— Na verdade, seria mais rápido
e também muito mais barato
que os sacudissem de qualquer ponte
dentro do rio e da morte.

— O rio daria a mortalha
e até um macio caixão de água;
e também o acompanhamento
que levaria com passo lento
o defunto ao enterro final
a ser feito no mar de sal.

— E não precisava dinheiro,
e não precisava coveiro,
e não precisava oração
e não precisava inscrição.

— Mas o que se vê não é isso:
é sempre nosso serviço
crescendo mais cada dia;
morre gente que nem vivia.

— E esse povo lá de riba
 de Pernambuco, da Paraíba,
que vem buscar no Recife
poder morrer de velhice,
encontra só, aqui chegando
cemitérios esperando.

— Não é viagem o que fazem,
vindo por essas caatingas, vargens;
aí está o seu erro:
vêm é seguindo seu próprio enterro.

Qual a melhor idade para a entrada no primeiro ano do ensino fundamental?




Muito tem se falado nos últimos meses sobre a idade da criança para a matrícula no primeiro ano escolar.
Recebi recentemente um e-mail de um escritório de advocacia (?) oferecendo serviços aos pais que desejam que seu filho ingresse no primeiro ano escolar com idade inferior à designada pelos órgãos de educação. As escolas estão cheias de crianças imaturas para o primeiro ano escolar.
Muitos pais e escolas alegam que as crianças irão perder um ano permanecendo por mais tempo no jardim de infância.
Perderem um ano de serem crianças? de brincar? Não posso entender como isso passa pela cabeça de um genitor ou educador. Ser criança é se preparar para a vida adulta. A infância tem um papel muito importante no desenvolvimento do ser humano. Não podemos permitir eliminá-la nem encurtá-la.
O que pais, profissionais da educação e do direito conhecem sobre desenvolvimento infantil? Qual a devida importância  dada ao período da infância?

Tendo percebido ao longo desses trinta anos como educadora e terapeuta ocupacional, que as dificuldades de aprendizagem, os problemas de comportamento, as chamadas crianças hiperativas e  violentas tem aumentado dia-a-dia, e que as crianças estão cada vez mais doentes, tristes e deprimidas, senti a necessidade de escrever esse artigo e encaminhá-lo a vocês todos.
Como profunda estudiosa, observadora e pesquisadora da infância, sempre proferindo cursos e palestras sobre o desenvolvimento infantil, me deparei hoje, novamente, com o livro de Steve Biddulph, editora Fundamento,2004, intitulado “Criando Meninos” e tomo a liberdade de transcrever aqui o trecho da página 60:

“Aos seis ou sete anos, quando realmente começa a escolaridade, o desenvolvimento mental dos meninos está seis a doze meses atrasado em relação ao das meninas. Eles são especialmente pouco desenvolvidos no que chamamos “coordenação motora fina”, que é a capacidade de usar os dedos para segurar uma caneta ou tesoura. Como ainda estão no estágio do desenvolvimento dos grandes músculos ficam loucos para exercitá-los e não são muito bons em ficar sentados quietinhos....Os meninos deveriam esperar mais um ano...Os meninos deveriam  ficar mais tempo no Jardim de Infância – em alguns casos, mais um ano... Nos primeiros anos do ensino fundamental, os meninos cujos nervos do sistema motor ainda estão em desenvolvimento recebem sinais de seu corpo, que diz: Mexa-se. Use-me"(grifo meu)

O livro continua fundamentando essa imaturidade no desenvolvimento neurológico do cérebro e a necessidade da criança ainda se movimentar muito antes de ficar sentada, parada na carteira escolar como é exigida na grande maioria das escolas que não seguem a pedagogia Waldorf.
Todo e qualquer professor do primeiro e segundo ano do ensino fundamental observa que os alunos não param quietos. Essa atitude fica esclarecida quando aprendemos que nessa idade a criança ainda está adquirindo coordenação motora grossa e aprendendo hábitos sociais; e, para permanecer  parada e quieta ela precisa ter maturidade orgânica.  Aliás nosso corpo não foi 'projetado' para ficar parado por muito tempo nunca!

Outro livro que ora se encontra em minhas mãos versa sobre a saúde e a doença: “Medicina Antroposófica” de Victor Bott, da Associação Beneficente Raphael, Juiz de Fora, MG, 1984. página 25, ele diz o seguinte:

 “...Há um exemplo, infelizmente muito freqüente hoje em dia, desta retirada precoce das forças etéricas (forças vitais): a escolarização precoce, levando a um desenvolvimento intelectual antes que as forças etéricas normalmente estejam disponíveis. É perfeitamente possível apelar prematuramente a essas forças a fim de apressar o desenvolvimento intelectual; é precisamente aí que  está o perigo, porque esquecemos que esta retirada precoce das forças etéricas se faz em detrimento da saúde, mesmo que as conseqüências não apareçam de imediato. As repercussões podem surgir muito tempo depois e se manifestam freqüentemente ao longo de toda a existência”.

Eu me pergunto: é isso que querem para vossos filhos e/ou alunos?

A questão que coloco aqui é a seguinte: o que se pretende com essa entrada precoce na escola de ensino fundamentalcom esse encurtamento da infância das crianças? Competir no mercado de trabalho? Entrar mais cedo na faculdade? Haverá maturidade para isso? Vocês já pararam para observar como é o estudante universitário jovem hoje? Pasmem todos: eles ‘batem’ figurinhas na sala de aula ! Conversam o tempo todo, não param quietos. Continuam sendo infantis porque na época de sua infância não puderam sê-lo.

Outra observação: entrar muito cedo na faculdade faz com que desistam mais cedo dela também. Quantos jovens vocês conhecem que ingressaram cedo e cursaram até o fim a faculdade sem trocar de curso? Isso ocorre porque na época da escolha da carreira ainda não estavam amadurecidos para ela.

Tudo tem seu tempo certo. Vamos procurar aprender o que é amadurecimento observando  a grande mãe Natureza. Uma fruta não amadurece por nossa vontade. Ela tem seu próprio tempo de amadurecimento tal qual a flor para seu florescimento.
Por que então apressarmos a criança encurtando seu período de infância?
Vamos preservar a infância deixando a criança brincar o quanto for necessário. Vamos deixar o adolescente viver a adolescência no tempo da adolescência se quisermos ter adultos responsáveis, habilidosos e felizes!

Artigo de Pilar Tetilla Manzano Borba
Graduada em Terapia Ocupacional pela Faculdade de Medicina da USP
Especializada em Tratamento Neuroevolutivo - Conceito Bobath – Terapia de Integração Sensorial e Problemas de Aprendizagem – Extra Lesson
Formada em Pedagogia Waldorf
Pós-graduada em Antroposofia na Saúde pela UNISO
Ministra palestras e cursos para pais e professores de educação infantil.
Professora nos cursos de fundamentação e treinamento em pedagogia Waldorf.
Consultora em educação infantil de escolas Waldorf, escolas municipais e particulares.          
Contato: pilarborba@gmail.com

9 de dezembro de 2011

13º dia de Advento: Morte e Vida, Severina

Foto de Diego Mascarenhas  (leiam também o poema de André O. que acompanha a foto no Blog: lindo!)


O RETIRANTE RESOLVE APRESSAR OS PASSOS PARA CHEGAR LOGO AO RECIFE

— Nunca esperei muita coisa,
digo a Vossas Senhorias.
O que me fez retirar
não foi a grande cobiça;
o que apenas busquei
foi defender minha vida
de tal velhice que chega
antes de se inteirar trinta;
se na serra vivi vinte,
se alcancei lá tal medida,
o que pensei, retirando,
foi estendê-la um pouco ainda.
Mas não senti diferença
entre o Agreste e a Caatinga,
e entre a Caatinga e aqui a Mata
a diferença é a mais mínima.
Está apenas em que a terra
é por aqui mais macia;
está apenas no pavio,
ou melhor, na lamparina:
pois é igual o querosene
que em toda parte ilumina,
e quer nesta terra gorda
quer na serra, de caliça,
a vida arde sempre, com
a mesma chama mortiça.
Agora é que compreendo
porque em paragens tão ricas
o rio não corta em poços
como ele faz na Caatinga:
vivi a fugir dos remansos
a que a paisagem o convida,
com medo de se deter
grande que seja a fadiga.
Sim, o melhor é apressar
o fim desta ladainha,
o fim do rosário de nomes
que a linha do rio enfia;
é chegar logo ao Recife,
derradeira ave-maria
do rosário, derradeira
invocação da ladainha,
Recife, onde o rio some
e esta minha viagem se fina.

8 de dezembro de 2011

12º dia do Advento: Morte e Vida, Severina


Preparando o Enterro na Rede: C.Portinari

ASSISTE AO ENTERRO DE UM TRABALHADOR DE EITO E OUVE O QUE DIZEM DO MORTO OS AMIGOS QUE O LEVARAM AO CEMITÉRIO

—  Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a cota menor
que tiraste em vida.

— É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
deste latifúndio.

— Não é cova grande,
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.

— É uma cova grande
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.

— É uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.

— É uma cova grande
para tua carne pouca,
mas a terra dada
não se abre a boca.

— Viverás, e para sempre,
na terra que aqui aforas:
e terás enfim tua roça.

— Aí ficarás para sempre,
livre do sol e da chuva,
criando tuas saúvas.

— Agora trabalharás
só para ti, não a meias,
como antes em terra alheia.

— Trabalharás uma terra
da qual, além de senhor,
serás homem de eito e trator.

— Trabalhando nessa terra,
tu sozinho tudo empreitas:
serás semente, adubo, colheita.

— Trabalharás numa terra
que também te abriga e te veste:
embora com o brim do Nordeste.

— Será de terra tua derradeira camisa:
te veste, como nunca em vida.

— Será de terra e tua melhor camisa:
te veste e ninguém cobiça.

— Terás de terra
completo agora o teu fato:
e pela primeira vez, sapato.

— Como és homem,
a terra te dará chapéu:
fosses mulher, xale ou véu.

— Tua roupa melhor
será de terra e não de fazenda:
não se rasga nem se remenda.

— Tua roupa melhor
e te ficará bem cingida:
como roupa feita à medida.

— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu teu suor vendido).

— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu o moço antigo).

— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu tua força de marido).

— Desse chão és bem conhecido
(através de parentes e amigos).

— Desse chão és bem conhecido
(vive com tua mulher, teus filhos).

— Desse chão és bem conhecido
(te espera de recém-nascido).

— Não tens mais força contigo:
deixa-te semear ao comprido.

— Já não levas semente viva:
teu corpo é a própria maniva.

— Não levas rebolo de cana:
és o rebolo, e não de caiana.

— Não levas semente na mão:
és agora o próprio grão.

— Já não tens força na perna:
deixa-te semear na coveta.

— Já não tens força na mão:
deixa-te semear no leirão.

— Dentro da rede não vinha nada,
só tua espiga debulhada.

— Dentro da rede vinha tudo,
só tua espiga no sabugo.

— Dentro da rede coisa vasqueira,
só a maçaroca banguela.

— Dentro da rede coisa pouca,
tua vida que deu sem soca.

— Na mão direita um rosário,
milho negro e ressecado.

— Na mão direita somente
o rosário, seca semente.

— Na mão direita, de cinza,
o rosário, semente maninha.

— Na mão direita o rosário,
semente inerte e sem salto.

— Despido vieste no caixão,
despido também se enterra o grão.

— De tanto te despiu a privação
que escapou de teu peito a viração.

— Tanta coisa despiste em vida
que fugiu de teu peito a brisa.

— E agora, se abre o chão e te abriga,
lençol que não tiveste em vida.

— Se abre o chão e te fecha,
dando-te agora cama e coberta.

— Se abre o chão e te envolve,
como mulher com quem se dorme.

7 de dezembro de 2011

Estamos na época do canto das cigarras no bairro Demétria...

"A cigarra é a mensageira das Musas."

Sócrates
Foto daqui

11º dia do Advento: Morte e Vida, Severina

Plantação de Cana na Zona da Mata

O RETIRANTE CHEGA À ZONA DA MATA, QUE O FAZ PENSAR, OUTRA VEZ,
EM INTERROMPER A VIAGEM.

  
—  Bem me diziam que a terra
se faz mais branda e macia
quando mais do litoral
a viagem se aproxima.
Agora afinal cheguei
nesta terra que diziam.
Como ela é uma terra doce
para os pés e para a vista.
Os rios que correm aqui
têm água vitalícia.
Cacimbas por todo lado
cavando o chão, água mina.
Vejo agora que é verdade
o que pensei ser mentira
Quem sabe se nesta terra
não plantarei minha sina?
Não tenho medo de terra
(cavei pedra toda a vida),
e para quem lutou a braço
contra a piçarra da Caatinga
será fácil amansar
esta aqui, tão feminina.  
Mas não avisto ninguém,
só folhas de cana fina
somente ali à distância
aquele bueiro de usina
somente naquela várzea
um bangüê velho em ruína.  
Por onde andará a gente
que tantas canas cultiva?
Feriando: que nesta terra
tão fácil, tão doce e rica,
não é preciso trabalhar
todas as horas do dia,
os dias todos do mês,
os meses todos da vida.  
Decerto a gente daqui
jamais envelhece aos trinta
nem sabe da morte em vida,
vida em morte, severina
e aquele cemitério ali,
branco de verde colina,
decerto pouco funciona
e poucas covas aninha.


  

Lançamento de livro neste sábado!

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Na presente obra, fruto de sua experiência profissional de 25 anos, a cirurgiã-dentista  Célia Regina Lulo Galitesi vem corroborar e ampliar os resultados de sua prática e observação clínica, expostos inicialmente na obra As mil e uma faces do dente, lançado em 2001.
Prosseguindo em seu intuito de conectar os conhecimentos acadêmicos a uma visão abrangente do ser humano, a autora tece aqui um importante preâmbulo em que expõe alguns princípios da Cosmovisão Antroposófica, como também algumas de suas áreas práticas. Ultrapassando os conceitos de prevenção, tratamento e cura, ela chama a atenção para a necessidade de uma anamnese aprofundada, um diagnóstico  específico e um tratamento abrangente, em prol da saúde integral, do bem-estar e da autoestima do paciente.

6 de dezembro de 2011

10º dia do Advento: Morte e Vida, Severina

Foto de Arnaldo Vitorino da Silva


DIRIGE-SE À MULHER NA JANELA QUE DEPOIS, DESCOBRE TRATAR-SE DE QUEM SE SABERÁ

— Muito bom dia senhora,
que nessa janela está
sabe dizer se é possível
algum trabalho encontrar?

— Trabalho aqui nunca falta
a quem sabe trabalhar
o que fazia o compadre
na sua terra de lá?

— Pois fui sempre lavrador,
lavrador de terra má
não há espécie de terra
que eu não possa cultivar.

— Isso aqui de nada adianta,
poucos existe o que lavrar
mas diga-me, retirante,
o que mais fazia por lá?

— Também lá na minha terra
de terra mesmo pouco há
mas até a calva da pedra
sinto-me capaz de arar.

— Também de pouco adianta,
nem pedra há aqui que amassar
diga-me ainda, compadre,
que mais fazias por lá?

— Conheço todas as roças
que nesta chã podem dar
o algodão, a mamona,
a pita, o milho, o caroá.

— Esses roçados o banco
já não quer financiar
mas diga-me, retirante,
o que mais fazia lá?

— Melhor do que eu ninguém
sei combater, quiçá,
tanta planta de rapina
que tenho visto por cá.

— Essas plantas de rapina
são tudo o que a terra dá
diga-me ainda, compadre
que mais fazia por lá?

— Tirei mandioca de chãs
que o vento vive a esfolar
e de outras escalavras
pela seca faca solar.

— Isto aqui não é Vitória
nem é Glória do Goitá
e além da terra, me diga,
que mais sabe trabalhar?

— Sei também tratar de gado,
entre urtigas pastorear
gado de comer do chão
ou de comer ramas no ar.

— Aqui não é Surubim
nem Limoeiro, oxalá!
mas diga-me, retirante,
que mais fazia por lá?

— Em qualquer das cinco tachas
de um bangüê sei cozinhar
sei cuidar de uma moenda,
de uma casa de purgar.

— Com a vinda das usinas
há poucos engenhos já
nada mais o retirante
aprendeu a fazer lá?

— Ali ninguém aprendeu
outro ofício, ou aprenderá
mas o sol, de sol a sol,
bem se aprende a suportar.

— Mas isso então será tudo
em que sabe trabalhar?
vamos, diga, retirante,
outras coisas saberá.

— Deseja mesmo saber
o que eu fazia por lá?
comer quando havia o quê
e, havendo ou não, trabalhar.

— Essa vida por aqui
é coisa familiar
mas diga-me retirante,
sabe benditos rezar?
sabe cantar excelências,
defuntos encomendar?
sabe tirar ladainhas,
sabe mortos enterrar?

— Já velei muitos defuntos,
na serra é coisa vulgar
mas nunca aprendi as rezas,
sei somente acompanhar.

— Pois se o compadre soubesse
rezar ou mesmo cantar,
trabalhávamos a meias,
que a freguesia bem dá.

— Agora se me permite
minha vez de perguntar:
como senhora, comadre,
pode manter o seu lar?

— Vou explicar rapidamente,
logo compreenderá:
como aqui a morte é tanta,
vivo de a morte ajudar.

— E ainda se me permite
que volte a perguntar:
é aqui uma profissão
trabalho tão singular?

— é, sim, uma profissão,
e a melhor de quantas há:
sou de toda a região
rezadora titular.

— E ainda se me permite
mais outra vez indagar:
é boa essa profissão
em que a comadre ora está?

— De um raio de muitas léguas
vem gente aqui me chamar
a verdade é que não pude
queixar-me ainda de azar.

— E se pela última vez
me permite perguntar:
não existe outro trabalho
para mim nesse lugar?

— Como aqui a morte é tanta,
só é possível trabalhar
nessas profissões que fazem
da morte ofício ou bazar.
Imagine que outra gente
de profissão similar,
farmacêuticos, coveiros,
doutor de anel no anular,
remando contra a corrente
da gente que baixa ao mar,
retirantes às avessas,
sobem do mar para cá.
Só os roçados da morte
compensam aqui cultivar,
e cultivá-los é fácil:
simples questão de plantar
não se precisa de limpa,
as estiagens e as pragas
fazemos mais prosperar
e dão lucro imediato
nem é preciso esperar
pela colheita: recebe-se
na hora mesma de semear.

5 de dezembro de 2011

9º dia de Advento: Morte e Vida, Severina

Foto de  Ray Langsten
CANSADO DA VIAGEM O RETIRANTE PENSA INTERROMPÊ-LA POR UNS INSTANTES E PROCURAR TRABALHO ALI ONDE SE ENCONTRA.

— Desde que estou retirando
só a morte vejo ativa,
só a morte deparei
e às vezes até festiva;
só a morte tem encontrado
quem pensava encontrar vida,
e o pouco que não foi morte
foi de vida severina
(aquela vida que é menos
vivida que defendida,
e é ainda mais severina
para o homem que retira).
Penso agora: mas porque
parar aqui eu não podia
e como o Capibaribe
interromper minha linha?
ao menos até que as águas
de uma próxima invernia
me levem direto ao mar
ao refazer sua rotina?
Na verdade, por uns tempos,
parar aqui eu bem podia
e retomar a viagem
quando vencesse a fadiga.
Ou será que aqui cortando
agora minha descida
já não poderei seguir
nunca mais em minha vida?
(será que a água destes poços
é toda aqui consumida
pelas roças, pelos bichos,
pelo sol com suas línguas?
será que quando chegar
o rio da nova invernia
um resto de água no antigo
sobrará nos poços ainda?)
Mas isso depois verei:
tempo há para que decida;
primeiro é preciso achar
um trabalho de que viva.
Vejo uma mulher na janela,
ali, que se não é rica,
parece remediada
ou dona de sua vida:
vou saber se de trabalho
poderá me dar notícia.

4 de dezembro de 2011

8º dia do Advento: Morte e Vida Severina

Quadro de Costa Junior

NA CASA A QUE O RETIRANTE CHEGA ESTÃO CANTANDO EXCELÊNCIAS PARA
UM DEFUNTO, ENQUANTO UM HOMEM, DO LADO DE FORA, VAI PARODIANDO AS PALAVRAS DOS CANTADORES


— Finado Severino,
quando passares em Jordão
e o demônios te atalharem
perguntando o que é que levas...
— Dize que levas cera,
capuz e cordão
mais a Virgem da Conceição.
— Finado Severino, etc...
— Dize que levas somente
coisas de não:
fome, sede, privação.
— Finado Severino, etc...
— Dize que coisas de não,
ocas, leves:
como o caixão, que ainda deves.
— Uma excelência
dizendo que a hora é hora.
— Ajunta os carregadores
que o corpo quer ir embora.
— Duas excelências...
-...dizendo é a hora da plantação.
— Ajunta os carreadores...
-...que a terra vai colher a mão.

Hoje, Bazar de Natal da Aitiara - Não percam essa linda festa!

3 de dezembro de 2011

7º dia do Advento: Morte e Vida Severina

Seca no Cabiparibe.Foto daqui.

O RETIRANTE TEM MEDO DE SE EXTRAVIAR PORQUE SEU GUIA, O RIO CAPIBARIBE, CORTOU COM O VERÃO :

  
-Antes de sair de casa
aprendi a ladainha
das vilas que vou passar
na minha longa descida.
Sei que há muitas vilas grandes,
cidades que elas são ditas
sei que há simples arruados,
sei que há vilas pequeninas,
todas formando um rosário
cujas contas fossem vilas,
de que a estrada fosse a linha.
Devo rezar tal rosário
até o mar onde termina,
saltando de conta em conta,
passando de vila em vila.
Vejo agora: não é fácil
seguir essa ladainha
entre uma conta e outra conta,
entre uma e outra ave-maria,
há certas paragens brancas,
de planta e bicho vazias,
vazias até de donos,
e onde o pé se descaminha.
Não desejo emaranhar
o fio de minha linha
nem que se enrede no pêlo
hirsuto desta caatinga.
Pensei que seguindo o rio
eu jamais me perderia:
ele é o caminho mais certo,
de todos o melhor guia.
Mas como segui-lo agora
que interrompeu a descida?
Vejo que o Capibaribe,
como os rios lá de cima,
é tão pobre que nem sempre
pode cumprir sua sina
e no verão também corta,
com pernas que não caminham.
Tenho que saber agora
qual a verdadeira via
entre essas que escancaradas
frente a mim se multiplicam.
Mas não vejo almas aqui,
nem almas mortas nem vivas
ouço somente à distância
o que parece cantoria.
Será novena de santo,
será algum mês-de-Maria
quem sabe até se uma festa
ou uma dança não seria?