6 de setembro de 2011

A chegada dos Belgas em Botucatu

Convido-os a ler a transcrição na íntegra dos artigos do Sr Tristan Dierckx ,sobre a chegada dos Belgas a Botucatu em 1962.

O conjunto de artigos já escritos por esse professor sobre esse tema poderá ser encontrado aqui: http://intercambio.spaceblog.com.br/r37203/Monte-Alegre/

"Foi na segunda quinzena de setembro de 1961 que apareceram as primeiras notícias a respeito da chegada dos belgas em Botucatu. Havia poucas informações e certa expectativa.

Comentava-se que várias famílias, ninguém sabia quantas ao certo, viriam residir em Botucatu. Muita gente se perguntava quem eram essas pessoas. Como é que eles eram? E também, para muitos, onde é que ficava essa Bélgica de que muitos nunca haviam ouvido falar?

É bem verdade que nosso pequeno país, encravado entre a França, a Holanda e a Alemanha nunca desempenhara um papel na história que pudesse fazer com que fosse lembrado em terras distantes.

Na cidade, ninguém sabia ainda quantos éramos. Comentava-se que oitenta casas estavam sendo construídas na Fazenda Monte Alegre. Não havia nada de preciso. A única coisa que se sabia com certeza é que chegariam famílias belgas na cidade.

Emilio Peduti, prefeito municipal naquele momento, e sua assessoria, aguardavam notícias que podiam chegar a qualquer momento. Os belgas, na sua maioria chefes de família, deviam estar ansiosos e possivelmente tinham certa pressa em chegar à nova terra. Haviam chegado ao porto de Santos e foram encaminhados para São Paulo, no Departamento de Imigração. Neste imóvel antigo existiam acomodações onde os imigrantes podiam permanecer até que fossem definidas as questões legais. Para quem gostaria de visitá-lo, este imóvel continua lá, hoje transformado em
Museu do Imigrante.
Podemos imaginar quantos sonhos e projetos carregavam neste momento. Todos tinham estado no Congo Belga. Todos tinham perdido praticamente tudo. Muitos tinham filhos africanos, nascidos lá, e que ainda tinham na memória o
 swahili e o Lingala que ainda usavam normalmente até alguns meses antes. Haviam escapado por pouco da morte e todos depositavam suas esperanças nesta terra.

Todos haviam sido obrigados a deixar a colônia africana e retornar para a Bélgica. Foi um momento angustiante, o dessas milhares de pessoas voltando para o país de origem, desprovidos de tudo, desempregados.

Eu tinha nove anos e me lembro ainda da chegada em Bruxelas. Milhares de pessoas superlotavam o aeroporto à espera de familiares. Um vento frio nos pegava na saída do avião, como para nos lembrar que nunca mais veríamos a África.


...

Janeiro de 1962 – Fazia três horas que o ronco do motor nos enchia os ouvidos. Quase todos dormiam naquele momento. Eu, pela janela, vi as sombras da serra que se destacavam à luz da lua. Ouvia as trocas de marcha que ajudavam o ônibus a subir a serra interminável.

Quase todos dormiam naquele momento. Adultos cansados e crianças nos colos. Todos mergulhados em sonhos de Terra Prometida, da grande aventura que os tinha trazido a este lugar distante. O rosto colado na janela, vi as luzes de uma cidade, estrelas alinhadas no horizonte, velando o sono de homens desconhecidos.

Logo chegamos à cidade desconhecida e percorremos a rua deserta borrada de amarelo. Subimos a Rua Amando de Barros para atravessar a cidade.

A história da chegada dos belgas em Botucatu poderia começar assim.

Para mim, como um romance de aventuras (eu tinha dez anos).

E, de fato, emigrantes belgas vieram se instalar no município. Instalaram-se numa fazenda que ainda hoje se chama “Monte Alegre”.

Uma cooperativa belgo-brasileira nasceu ali. Uma história de sonhos abortados. De felicidade também. Mas uma história que deixou marcas na cidade.

A Bélgica não conhecia o Brasil. Para ela, não passava de um país longínquo, do outro lado do mundo. Portanto, não era fácil tomar providências, sem conhecer nada do país, visando instalar centenas de compatriotas e, mais ainda, fazer com que uma colônia belga pudesse prosperar ali.

O governo belga devia encontrar alguém que conhecesse o país e, através dele, adquirir uma terra que pudesse servir ao projeto de instalar todas essas famílias. E esta pessoa, ele acabou encontrando na pessoa de Monsieur Hoogenboom, holandês que morava no Brasil e que dirigia uma experiência agrícola na região de Campinas (estado de São Paulo) cujo nome lembrava o país de origem: Hollambra 1.

O acordo entre o governo belga e Monsieur Hoogenboom previa que este devia encontrar uma terra suficientemente grande e podendo servir para instalar uma cooperativa agrícola destinada aos colonos belgas que tinham sido obrigados a deixar o Congo Belga.

Mas as coisas não ocorreram exatamente como haviam sido previstas. Encarregado pelo governo belga de encontrar uma terra, ele de fato a encontrou.

Mas essa história nunca foi bem contada. De fato, ele acabou escolhendo uma terra que se encontrava em Botucatu (estado de São Paulo), uma terra cansada, imprópria à agricultura. Na mesma época ele escolheu outra gleba destinada à expansão de Hollambra 1 que, mais tarde se transformará em Hollambra 2.

 Acontece que esta última era de qualidade infinitamente superior. Esta era uma boa terra. Além disso, dizem, ele teria pagado um preço muito superior ao que valia esta terra. Ele foi também acusado de ter tido a intenção de transformar a cooperativa belga em uma extensão da cooperativa holandesa. Provavelmente não saberemos nunca, pois não existem provas de tais afirmações.

O que podemos dizer com certeza, é que a gleba comprada para os holandeses em Paranapanema era de fato bem melhor que aquela que havia sido comprada para os belgas em Botucatu.

Esta gleba possuía 9.704 hectares e era conhecida como Fazenda Monte Alegre. Outrora ela havia sido muito importante, tendo possuído, dizem, até um milhão de pés de café. Ela foi comprada em 1961 do seu último proprietário brasileiro Senhor José Augusto Rodrigues, do qual conheço o neto, excelen
te colecionador de fonógrafos, rádios antigos, entre outros.

A gleba foi dividida em parcelas destinadas às famílias que chegavam da Bélgica. No começo, cada família recebeu 50 hectares. Uma dessas famílias foi a minha.
Os emigrantes belgas tiveram de enfrentar grandes dificuldades. Eles se encontravam num país do qual não conheciam nem a língua nem os costumes. Além disso, encontravam-se a aproximadamente a vinte quilômetros da cidade de Botucatu. Foi preciso pensar na educação das crianças. Por isso, instalou-se uma escola para os pequenos."

Tristan Dierckx

2 comentários:

  1. Quando os Belgas chegaram,a partir de1961, eu tinha 11 anos, trabalhava no terreiro de café e posteriormente na oficina mecânica, com meu pai Lourenço que era mecânico da Fazenda Monte Alegre.Foi encantador ver a chegada das famílias belgas com suas bagagens enormes, roupas e sapatos fortes, diferentes do que eu conhecia; costumes de alimentação também diferentes; festivos e com alto poder de compra frente à condição que tínhamos como empregados. Era impressionante o convívio com eles, transmitiam cultura, procuravam aprender nosso idioma e vice-versa. Fui também carteiro deles; entregava as correspondências nos sítios à cavalo, era muito divertido, sempre ganhava alguma gorjeta ou chocolate. Com eles consegui oportunidade de iniciar o curso ginasial e daí por diante minha vida mudou muito, ajudado também por tios, consegui me formar em Administração de Empresas e bons cargos em vários Bancos.Tenho muitas recordações e saudades daqueles tempos. Hildeberto Bussoni jul/2015.

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    1. Seu nome completo não seria Antonio Hildeberto Bussoni? Caso positivo, fomos colegas de trabalho no Bradesco, no final dos anos 60 início dos 70. Um abraço.

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