6 de fevereiro de 2011

Como nos tornamos humanos? (10º post do ciclo "Fique por dentro da Pedagogia Waldorf")


Como nos tornamos Humanos?

Por: Pilar Tetilla Manzano Borba*

É conhecida por nós todos a história do menino lobo que ao ser criado longe do contato com outros seres humanos foi acolhido na floresta por uma loba e acabou se portando como um ser daquela espécie.
Muitos outros casos como esse ocorreram e vieram para afirmar que durante a infância imitamos o nosso meio e nos tornamos fiéis a ele.
Embora nasçamos com todo o potencial para sermos homens ou mulheres necessitamos conviver com modelos humanos para nos tornarmos humanos.
É nos três primeiros anos de vida da criança que ocorre a mais pura e perfeita imitação. A criança necessita portanto de uma pessoa a quem se vincule para que possa imitar e confiar.
No mundo atual, onde as mães, avós e tias saíram de casa para trabalhar, suas crianças estão indo cada vez mais cedo para berçários, maternais e jardins de infância.
A pergunta que fazemos é: existirão nessas creches e ‘escolinhas’ adultos coerentes, confiáveis, responsáveis e dignos para servirem como exemplos que possam ser imitados? Adultos comprometidos com a educação e com o importante e verdadeiro significado da infância? Adultos que se vinculem profundamente à criança com respeito e dignidade?
“VINCULO: Alimento e Promotor de Saúde Integral – como desenvolvê-lo nas creches” (tema de minha monografia do curso de pós-graduação em Antroposofia na Saúde - Universidade de Sorocaba - é um assunto que há muito tempo observo, estudo, trabalho e ensino nas inúmeras creches que conheci, trabalhei e orientei desde que me formei em terapia ocupacional).
A Pedagogia Waldorf fundamentada na antroposofia me deu suporte aumentando meus conhecimentos a respeito do ser humano e reafirmando o enorme cuidado que devemos ter na presença e no trabalho junto de crianças pequeninas.
Como a criança é um ser que aprende através da imitação, ela necessita se vincular a alguém que seja constante, especialmente nos seus três primeiros anos de vida. Uma mesma pessoa que a possa acolher, alimentar, cuidar de seu sono, de sua higiene, que converse e brinque com ela com respeito, amor, carinho e, sobretudo que possua todas as qualidades positivas que um educador precisa ter. Desta maneira há uma grande chance dela se desenvolver com confiança, amor e esperança.
Nossa memória nos primeiros três anos de vida é principalmente emocional e comportamental. De como fomos cuidados e educados na primeira infância dependerá, em grande parte, o nosso comportamento na vida adulta. Muitas condutas negativas vivenciadas na primeira infância poderão ser repetidas na adolescência e idade adulta, necessitando muitos anos de terapia para se conscientizar e tentar mudar esse estado.
Hoje há inúmeros registros de indivíduos que fazem o mal por pura repetição do que fizeram com eles na infância.
Vários fatores colaboram para a nossa formação: genética, ambiente e individualidade mas, para olhos atentos, muitas das nossas atitudes demonstram a maneira como fomos criados e conduzidos sobretudo na infância.
É triste a realidade de que poucos profissionais conheçam e valorizem como se forma o nosso sistema nervoso central nos três primeiros anos de vida. Tudo que captamos através dos órgãos dos sentidos é registrado nesse período em que a consciência ainda não despertou e onde não temos a possibilidade de filtrar o bom ou o ruim. Tanto o carinho como os maus tratos serão registrados para sempre em nossa memória.
É lamentável que se invista tão pouco em educação infantil. A qualidade e a constância do pessoal que trabalha em berçários e creches também deve ser levada em consideração, pois é na constância que se forma o vínculo, pré-requisito para o cultivo da confiança.
A criança pequenina, embora ainda não fale, espera chegar no berçário, creche ou jardim-de-infância e encontrar a mesma pessoa que a cuidou no dia anterior. Assim como ela espera encontrar a mesma caminha, o mesmo carrinho, a mesma bonequinha,etc. Sua memória afetiva e sensitiva lhe trará um grande bem estar se tudo estiver igual e tão bem cuidado como foi no dia anterior. Essa atitude de constância por parte dos educadores irá desenvolver o sentimento de confiança em relação ao outro, sentimento tão escasso nos dias de hoje.
Uma pesquisa feita pela ong Fight Crime: Invest in Kids (Combata o crime: Invista na Criança) conclui que US$ 1 gasto em atendimento de qualidade na infância economiza no futuro US$ 7 em gastos no sistema policial e prisional. “Investir num atendimento de qualidade para as crianças de zero a seis anos custa caro mas a pergunta que deve ser feita é se a sociedade pretende gastar esse dinheiro antes ou depois” - disse Thomas B. Brazelton, professor de pediatria de Harvard, conhecido mundialmente e autor de 38 livros traduzidos em 18 idiomas, numa entrevista ao jornal Folha de São Paulo em 22/11/2004.
Já existe um movimento mundial através da ALIANÇA PELA INFÂNCIA, UNICEF, UNESCO, COMPAZ, Instituto ZEROASEIS e outros órgãos preocupados em quebrar a cadeia de violência que assola o mundo. Todos estão procurando maneiras de alertar o ser humano do valor da educação infantil principalmente nos três primeiros anos de vida.
Além de uma alimentação de qualidade a criança necessita de calor para sobreviver. O calor do ambiente já não existe mais. Na maioria das creches e escolas de educação infantil todo chão é frio, os brinquedos de plástico, a grama sintética, o pátio cimentado e a televisão substitui as brincadeiras de corpo. Resta então aumentar o calor humano. E é desse calor que o ser humano está carente. Pelo número excessivo de crianças para uma só educadora fica impossível dar colinho e atenção individualizada. Esta já é uma forma de violência pois as crianças já desde muito cedo se sentem abandonadas.
A quantidade se sobrepõe à qualidade. A televisão é ligada para ‘distrair’ a criança que hipnotizada a olha sem ter nenhuma possibilidade de escolha. Isto também é violência.
A Pedagogia Waldorf, fundamentada na Antroposofia, através da auto-educação constante do educador, do estudo do desenvolvimento da criança e de suas necessidades, procura diminuir cada vez mais esse “educar em massa”. Ela propõe que se perceba individualmente cada ser. Que possamos enxergar o único e precioso ser que habita cada corpinho que nos é entregue a cada dia para cuidar e educar. Que tenhamos reverência diante de cada criança, mesmo porque ela é nosso maior mestre.
Rudolf Steiner (1861-1925), fundador da antroposofia, deixou-nos uma imensa contribuição para a compreensão das necessidades básicas do ser humano. Nos fez crer que tudo que fazemos, pensamos e sentimos diante da criança está sendo impresso em sua alma e em seu corpo para toda sua vida; que todos esses registros positivos e negativos irão colaborar na sua forma adulta de ser e ainda mais, que sua saúde física, emocional e mental irá depender em grande parte da maneira como na infância foi por nós acolhida, cuidada, educada e amada.

(*) Terapeuta ocupacional.
Pedagoga Waldorf
Pós-graduada em Antroposofia na Saúde
Professora no curso de formação de professores em pedagogia Waldorf
Orienta berçários, creches, maternais e jardins-de-infância
e-mail: pilarborba@gmail.com
Foto: Google imagens.

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