28 de junho de 2015

A Revisão do Plano Diretor de Botucatu. 3 - Onde a onça bebe água

3º post da série de 4 ( o próximo, com sugestões, sai daqui uns dias! Não percam!) que estamos publicando aqui para contribuir com a reflexão sobre o processo de revisão do Plano Diretor de Botucatu que ora está em pauta. Leiam, reflitam, compartilhem!Abaixo algumas críticas conceituais bem objetivas à revisão que foi apresentada pelo executivo (clique Aqui e depois em "Termo de Referência" para ler) para apreciação da população nos últimos dias.



Onde a onça bebe água...(por Pôla Pazzanese)

Um Plano bem calibrado dá suporte mais eficaz a políticas mais amplas e, quando isso não ocorre, a economia de uma cidade e seu território se desequilibram, isto é, favorecem apenas parcialmente      - ou pior, sobrecarregam – o sustento das pessoas (recursos humanos), dos recursos materiais e recursos naturais.O sistema então se desequilibra sócio-ambientalmente: O eco de "economia" é o mesmo eco de "ecologia", e quer dizer "casa", assim essa casa-cidade-lugar vira um problema de gestão, para si mesma e seus moradores, se suas partes começam a crescer travando qualidades que não só podem se beneficiar mutuamente como melhoram seu sistema de vida inteiro.
 A análise inicial do PDP-2015 vem nos mostrando que, mesmo que haja avanço em alguns pontos, ele é mesmo uma revisão, logo todos os itens do plano proposto que não melhoram (ou até pioram o existente) ou trocam itens por outros que indicam a prevalência de atendimento a interesses estritos de grupos sobre necessidades e possibilidades mais amplas de seus habitantes e seu território, precisam ser muito mais bem discutidos por todos na cidade.
Do ponto de vista urbanístico, olhando a partir do tecido urbano (que é o foco do mercado imobiliário, por exemplo), várias coisas apontam para uma ideia de ocupação e crescimento bastante problemática para a cidade e seu território, e por isso em contradição com o significado de desenvolvimento sustentável:
1- Para que essa visão de crescimento se realize, e o exposto nele não só torna definitivas ações iniciadas recentemente, como indica a ocupação de ainda mais território do município, é preciso condições de crescimento populacional e econômico que não existem mais: A população está reduzindo seu crescimento -está envelhecendo, a natalidade caindo, a educação aumentando-, os fluxos migratórios se invertendo do Sudeste para o Norte/Nordeste/Centro-Oeste do país, a economia de SP está deixando de ser o único motor do país e tendo concorrência de outras regiões, a geração de renda está saindo das grandes e concentradas indústrias (apoiadas por grandes quantidades e fluxos de insumos) para estruturas menores e mais ágeis de serviços e comercio, e novos tipos de indústrias também (apoiadas em conhecimento), e por aí segue.
E, claro, se Botucatu pudesse crescer assim, o mesmo aconteceria com Bauru e proporcionalmente ao tamanho dela, o que significa que quase encostaria aqui - como ocorre com Campinas engolindo tudo à sua volta - e nos tornaríamos um mero anexo de lá. E, com isso ocorrendo, adeus autonomia política, econômica e cultural local.
2- Por causa dessa visão parcial, é baseado no crescimento espacial extensivo, da malha urbana aumentando a porção de território ocupada por terrenos, edificações e ruas da cidade-, enquanto é visível a quantidade de lugares vazios urbanizáveis tanto entre bairros próximos ao centro, ou nas áreas da ferrovia, ou ainda entre bairros da borda da cidade. Esse tipo de crescimento leva Botucatu, por exemplo, perigosamente próxima aos locais de seu suporte ambiental, como as bacias de alimentação e drenagem de águas, ou locais de sua segurança alimentar, como os sítios e fazendas que plantam sua comida local. Para um desenvolvimento realmente sustentável devemos implantar outras soluções para se evitar isso, pois há muitas existentes e já testadas na realidade.
3- É visível também que é um projeto rodoviarista, porque depende demais da construção de grandes vias, prevendo até avenida marginal colada no Rio Lavapés (o mesmo erro de Sampa com
seus rios) e um anel viário levando tráfego por cima de outras bacias de rios e até para as Cuestas... Enquanto a trama urbana atual, com o tratamento correto de sua infraestrutura, é mais do que suficiente para o crescimento adequado porque pode ser concentrada no aproveitamento diversificado de seus muitos vazios e apoiada nos muitos modos de transporte público moderno, permitindo se realizar um desenvolvimento local de tipo contemporâneo, com menos investimento em expansão da malha viária - e sua consequente dispersão de infraestrutura: mais extensão e espalhamento das redes de energia, de iluminação pública, de água e esgoto, de comunicação e dados, transporte público, de segurança pública, de equipamentos e serviços públicos etc..
4- Do exposto acima decorre a ideia de crescer no setor onde a Mal. Rondon encontra a Castelinho, pensando em fazer dali um tipo de fachada da frente da cidade (centro cívico, shopping, condomínios de alto luxo etc., todos perfeitamente ilhados e aonde se chega e se vai só de carro). O que, claro, vai pressionar a região dali à Gastão dal Farra a ser loteada para lhes prover serviços - como já se pode ver hoje. Um velho mecanismo esse: Crescerem áreas mais pobres na esteira da valorização da área mais nobre próxima, como ocorreu na zona Sul de Sampa (de Santo Amaro a Interlagos, uma região que era linda) em relação aos Jardins, Morumbi e Itaim-bibi/Vila Olímpia. Por isso, por exemplo, os 500m2 de divisão propostos numa nova zona (que já é uma subdivisão do atual), e não os 4.000m2 atuais (que seguram a ocupação na dimensão e quantidade corretas para o contexto ambiental dali, como corretamente definido no plano existente), precisamente, também, o mesmo erro que cometeram no entorno das represas Billings, Guarapiranga e Cantareira, os 3 grandes reservatórios de Sampa (quando sabemos hoje que a situação das águas em São Paulo está longe de ser considerada boa).
5- Vai seguir cometendo o mesmo erro de iniciativas em outros governos, onde grupos criaram áreas afastadas que obrigaram a cidade a ir atrás com infraestrutura, deixando muitas áreas vazias entre uma região e outra, esperando uma valorização que nunca chegou e, por isso, desocupadas até hoje (porque no governo seguinte outro grupo fez a mesma coisa, em outro lugar da cidade...). O anel viário, por exemplo, claramente induz ocupação em torno da cidade, criando uma faixa loteável de, pelo menos, 1.000 a 2.000m de cada lado dele (10 a 20 quadras, algo como os loteamentos já lançados na Gastão dal Farra). Se projetarmos essas dimensões onde ele passa, à volta da cidade e indo até a borda da Cuesta, vemos com precisão os vários "vazios" que isso gera. E, na ocupação de alguns vazios existentes, ainda considera o isolamento de locais exclusivos para habitação de interesse social, como se fossem ilhas de pessoas e grupos, em vez de conjuntos com ofertas das diversas necessidades da vida urbana moderna.
6- Ao dividir a cidade em uma "do futuro", indutora de crescimento extensivo, e uma velha, central e, por causa da nova, tendo que correr atrás dos investimentos, cria dois problemas no fluxo econômico e fundiário de uma cidade:
Um de afunilamento do mercado imobiliário, criando gargalos no fluxo do capital urbano. Porque quando se separa a cidade em bolsões exclusivamente ricos e outros exclusivamente pobres, num lugar de tamanho restrito como Botucatu, demora muito mais para quem investiu retornar o investimento (os sucessos iniciais logo esgotam a alternativa) e para o público encontrar lugar adequado às suas necessidades (e não somente às necessidades de marketing...). Nesse quesito os arquitetos e urbanistas da cidade, por exemplo, vivem no seu dia-a-dia o tanto que isso restringe um mercado de trabalho potencialmente grande.
Outro de "exclusivamento" nos investimentos públicos, isto é, o dinheiro colocado num lugar (setor de bairro, região etc.) não serve para o outro porque, seguindo essa lógica, um lugar precisa se manter completamente separado, em tudo, do outro. Essa ideia de mercados e rentabilidade de investimentos, privados e públicos, associados em alguns locais mas excludentes no geral, é contraproducente para o conjunto duma cidade com o tamanho do mercado de Botucatu, pois restringe seu alcance no tempo e no público beneficiado.
6- Finalmente, não apresenta caminhos de como superar as distancias de hoje, nas leis da cidade, entre o que está escrito nelas e as práticas usuais de todos, a começar do poder público. Esse é o principal motivo pelo qual no Brasil leis urbanas tornam-se letra morta, pois não são feitas como construções técnicas para acordos e pactos públicos, baseadas no atendimento de necessidades reconhecidas e acordadas por todos. E daí terminam por vezes restritas a interesses imediatos, nos quais a base técnica, mesmo que exista, é pouco reconhecida como ferramenta de controle e ação integrada, como vemos em muitas cidades brasileiras. Observem que sequer foram feitas, até hoje, várias leis complementares do PDP-2008, que o teriam tornado minimamente efetivo. E assim se abre espaço para que interesses de curto prazo criem problemas de longo prazo:
Sobre este problema, na área ambiental, tem havido manifestações em várias publicações recentes na Internet que valem a pena serem lidas, por virem de pessoal muito qualificado no assunto, e que o explicam muito melhor do que eu poderia neste espaço. Já na parte de patrimônio histórico, mesmo citada no atual e na revisão, um exemplo é o das várias ruas que ainda contam com conjuntos de belas construções do período do café e onde uma delas é derrubada para se construir um desses galpões de 3 paredes e uma cobertura, próprios para um comércio ligeiro do tipo "$1,99" (cujos negócios tem duração no tempo, e na renda do aluguel, também "1,99"...). E com isso desvalorizando não só o potencial de ocupação qualificada que o entorno permitiria como, ao se somarem várias dessas mudanças na mesma rua ao longo do tempo, até a própria região em que estão. O oposto do que vemos, por exemplo, no bairro de Palermo, em Buenos Aires, ou em diversas cidades de Minas Gerais, onde o valor histórico é trabalhado, recuperado e adaptado, arquitetônica e urbanisticamente, como valor de diferenciação nos negócios locais. Na área do turismo, o equivalente disso seria como se as leis seguissem a moda atual do turismo de aventura: Lugares de beleza paisagística ou bucólicos recantos rurais teriam assim estimuladas a sua invasão por veículos e turistas de ocasião, sobrecarregando desde estradas vicinais de uso no escoamento da produção local a sistemas microambientais que não suportam tal uso. Porque este turismo é sempre pensado como turismo de eventos (anúncio>consumo>partida), e não de estância (informação>degustação>estadia), condicionando que, quando passa a moda (porque sempre passam), restam locais destruídos, desvalorizados e esquecidos, e leis sem sentido algum para eles.
Vemos assim como se alimentam alguns dos motores econômicos que empurram as cidades a desperdiçar seu patrimônio histórico e ambiental, perdendo oportunidades excelentes para melhores serviços, negócios, políticas e qualidade de vida. E nem chegamos na ferrovia ainda, não só seu grande patrimônio, mas mais uma excelente oportunidade para Botucatu.
Na última postagem, tentaremos ver algumas propostas para essa e outras potencialidades de Botucatu, algumas locais e já existentes há tempos, para tentarmos evitar aqui o tipo de desenvolvimento urbano que foi o erro de SP, Campinas, Bauru etc., e nos inspirarmos em soluções bem-sucedidas de cidades como Curitiba, Guararema, e até da histórica São João Del Rei, entre outras.

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Pôla Pazzanese, arquiteto urbanista (1981), escritório próprio (1980), arquiteto EDIF-SSO-PMSP (1982/84), professor da disciplina ´projeto arquitetonico´ (1991), um dos fundadores, 1º coordenador pedagógico, professor das disciplinas ´infraestrutura urbana e predial´ e orientador ´TFG´ da faculdade de arquitetura ´escola da cidade´(1996/2008), projetos de arquitetura de interiores, edificações e desenho urbano, nas áreas de habitação, educação, serviços, comércio e patrimonio histórico.

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