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Botucatu e as escolhas certas. Ou não. (por Pôla Pazzanese)
Quando uma cidade faz ou revê um Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano ela estabelece a hora mais adequada para construir seus pactos sociais, políticos e
econômicos mais amplos, trabalhando os meios de seu desenvolvimento para que
convivam em harmonia e estabelecendo os locais e modos em que interesses conflitantes possam ser
discutidos para se chegar a soluções negociadas. Sua proposta de Revisão
atual não supera sérias contradições existentes entre seus discursos e certas
práticas -algumas recentes- da gestão
urbana, que poderiam ser resolvidas num
processo mais amplo. O que certamente seria muito melhor para todo mundo em
Botucatu, desde a política local, passando pelo mercado imobiliário, pelas
instituições da cidade e estado, pelas elites intelectuais, religiosas e
econômicas, pelas questões ambientais, chegando a suas cidadãs e cidadãos mais
humildes.
Deve ser a ocasião para definirmos todos juntos que lugar é esse em que vivemos, como vivemos
nele, o que precisamos para cuidar e melhorar nosso dia-a-dia, e o que esperamos dele como um lugar, onde todos
podem ser ouvidos e cada grupo e cada canto
da cidade pode ser reconhecido, não só pelas pessoas dali mas por todos os
outros habitantes, seus vizinhos. É a
hora em que todas as pessoas podem conhecer o que há de melhor, nas melhores técnicas
e saberes contemporâneos, que possa ser
mobilizado a favor de todos no lugar em que vivem. E podem, também,
aprender muito sobre coisas que normalmente
são só pouco percebidas no seu dia a dia, mas interferem diretamente nele, suas
vivências, lazer e negócios.
Porque todos, sem exceção, sofrerão alguma consequência de um plano pouco desenvolvido e
compreendido: Uma situação exemplar e conhecida por muitos frequentadores do
Litoral Norte de SP, por exemplo, é a daquelas praias lindas, algumas até
"exclusivas" e... poluídas
porque as redes de água-esgoto, e seus muitos rios, não dão conta da ocupação
desordenada.
Para entender algumas dessas consequências, vamos observar melhor
coisas que já ocorrem hoje, entre elas,
algumas práticas que serão erroneamente adotadas como modelos ou padrões de
desenvolvimento, se o PDP 2015 se realizar com a abordagem que tem hoje.
Atualmente, embora haja boa base de dados e pesquisas para embasar o Plano no
município, em vários pontos ele não reflete tais informações em suas
proposições, pois as mesmas não enfrentam certas contradições já existentes na
gestão da cidade.
Por exemplo, começando do centro da cidade, observem o belo espaço público defronte a
Catedral, usado hoje para as grandes festas da cidade. Este espaço é o grande centro cívico de Botucatu, completo, com
as instituições que configuram,
administrativa e simbolicamente, uma cidade: centros religiosos, escolas e
instituições públicas, a sede do Governo local etc.. Condição que o que o torna
um centro republicano por excelência,
belo exemplo de desenho urbano do estabelecimento da República no país, e ainda
sustentando todo um grupo de serviços, comércio e habitações ligados a ele e
seus usuários. Por isso é o coração (cuore)
da cidade e sua vida pública: Acessível para sua população por diversos meios
de transporte e até a pé, visível de quase toda ela, e muito querido por todos.
O seu caráter de representatividade institucional está sendo
abandonado, administrativa e
simbolicamente, por um pretendido novo lugar, distante do centro, pouco visível pela cidade, acessível somente por
veículos motorizados, isolado entre estradas. E por isso esse nobilíssimo espaço
da Av. Don Lúcio vai sendo desperdiçado, criando usos conflitantes em tipo e
tamanho de atividades: A perda de sua dimensão simbólica o deixa a disposição de
usos sem os aspectos estruturantes de uma
cidade, daí o conflito que todos já acompanhamos, com a perda dia após dia de
sua identificação popular e histórica.
O problema nesse centro urbano, capital para a cidade, nos
leva assim a 2 outros: Um, à falta de um
espaço público digno das grandes festas que a cidade merece, outro, mais
importante no contexto aqui, já indo
para fora do centro da cidade, a ideia de que o pretendido novo centro
cívico, onde já se situa o novo Fórum, contribuirá
para o desenvolvimento da cidade naquela direção, "pulando" a
rodovia Mal. Rondon.
A ideia de centros cívicos como indutores de desenvolvimento urbano vem dos anos 1950, 60 anos atrás (!), quando ainda não se entendia
direito como e porque certos lugares e
certas cidades deixam de funcionar. Desde os 1ºs lugares realizados assim, pelo
mundo, muito se discutiu e estudou, em pesquisas e levantamentos,
constatando-se que esse modelo: a) isola
o poder público numa verdadeira ilha urbana, b) onera o investimento público por se distanciar da
infraestrutura existente, c) apressa o abandono
e degradação de centros antes vivos das cidades, d) elitiza e torna excludentes ou inacessíveis partes
grandes de cidades, e) espalha a cidade deixando vazios desvalorizados em muitos lugares dela, entre outras.
Isto fez as grandes, médias e pequenas cidades, atualizadas
nas melhores técnicas de gestão urbana, abandonarem
esse tipo de plano já nos anos 1960. E as que não o fizeram, como diversas
cidades na Espanha que seguiram na esteira de grandes movimentos imobiliários
dos anos 1990/2000, ainda hoje sofrem estas consequências desde sempre
constatadas.
Estes efeitos ocorrem, no mais das vezes, porque esse tipo
de crescimento precisa de muito investimento
[público e privado] em infraestrutura para essas novas e distantes áreas, e
para isso ocupa plano e verba dos outros
lugares das cidades, na expectativa de se equilibrar o atendimento de ambas as demandas a tempo. Mas esses
investimentos precisam de um processo específico de crescimento econômico e
populacional (e uma continuidade
política incomum no Brasil), para se realizar no tempo correto de retorno
político, econômico e estratégico. E a cidade não vai ter como arrecadar isso
no tempo que pretendem, por causa dos motivos que serão mais bem analisados na próxima
postagem.
Na proposta de Revisão do PDP feita agora, inclusive, essa
zona da cidade é definida como de expansão
urbana, sem zonas de transição e amortecimento (como no plano vigente) em
relação à zona definida como de atenção
hídrica, do lado dela, na qual
ainda está na APA-Botucatu, ou seja: Imagina-se
que a expansão da cidade simplesmente irá parar ali, parando nessa borda suas ruas, quadras, casas, comercio etc., para
dar lugar à protegidas áreas verdes, como está nas plantas do plano, ou para a ocupação que já vem sendo feita ali, com enormes
conjuntos de casas populares, galpões etc.?
E ainda com um anel viário e avenida de pistas duplas como
eixos de estrutura viária de acesso mais
fácil. Note-se aqui o processo de se transformar uma estrada vicinal, a
Gastão dal Farra, numa avenida de acesso e escoamento de tráfego de toda uma
região, erro grave de transito similar ao
das periferias de Sampa, onde se perde a fluidez da estrada como ligação, e
cria-se um verdadeiro funil de fluxo numa via não projetada junto com o sistema viário de seu entorno.
Observo isso nesta área da cidade, que conheço melhor, e nas
demais certamente tem gente mais qualificada para observar coisas similares. Precisamos
ouvi-las também, nesse processo.
Botucatu tem características que a diferenciam das demais
grandes cidades do centro do estado: Do café aos caminhos de tropas e trem, do
ensino e pesquisa às indústrias de alta tecnologia, da Cuesta às águas urbanas,
um sistema de saúde cobrindo toda a cidade, uma proporção entre tamanho de
população e território ocupado perfeitamente adequada, um natureza ainda
exuberante e próxima, até o fato de que vem se tornando um polo de irradiação
da comida orgânica, e ainda um grupo de pequenas cidades conectadas a ela pelo
Polo Cuesta. Muita coisa que pode ser mais bem direcionada pelo conhecimento
moderno num plano regional estratégico
e ambientalmente adequado.
Temos muita cidade e território ainda por ser mais bem apropriados.
E, com isso, vermos como evitamos muitas das causas que normalmente nos levam a empurrar as cidades a, literalmente,
devorar seu meio-ambiente.
E porque não bastam apenas boas leis, precisa mesmo é ampliar a Cultura que as cria, e só se amplia
cultura se se emprega as ferramentas
econômicas adequadas para o que uma análise
mais ampla nos permite enxergar de um determinado contexto. Porque é de Economia que se está falando,
quando se trata a fundo dessas coisas. Que é só o que importa, ainda e infelizmente...
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Excelente texto, Pôla, só lamento não ter nenhuma esperança neste governo que está aí e, muito menos, nesta sociedade que o cerca, que é passiva e avessa a idéias "externas", permanecendo ainda à mercê das benesses dos salvadores da pátria. Desculpe se minhas palavras são desanimadoras.Abraços,
ResponderExcluiroi, isaura
ResponderExcluirque ótimo vc ler isso.
e não desculpo, ainda mais de uma intelectual com a sua história na cidade.
só na parte de patrimonio seus conhecimentos e participação são fundamentais.
veja na próxima postagem que temos ainda muito assunto para tratarmos.